Grande Hotel
Neyla nunca deixava de passar parte de suas férias na casa da tia Eraide. Todos perguntavam a razão de sentir-se tão bem ali. Era uma casa pobre, na serra, sem nenhum conforto. Dormiam todos em um mesmo quarto. Eram sete pessoas. Segundo ela, ali existia um clima delicioso. E saía de seu conforto de adolescente, deixava de ir às festinhas, à praia, para curtir aquela família pobre, mas certamente calorosa. Nos finais de semana, tia Eraide fazia sempre uma deliciosa papa de milho, ou cocadas. Era uma festa! Quando falávamos sobre a comida da casa, Neyla dizia adorar o arroz com feijão e ovo do almoço e as laranjas da sobremesa. A groselha servida no lanche a encantava pela beleza da cor e pelo sabor adocicado... nem se lembrava de guaraná e coca-cola! Naquela casa vivia uma prima à qual era muito apegada, apesar da diferença de idade. Claudinha era o nome dela. Alegre, já em fase de namoro, pois a diferença entre ambas era de doze anos, colecionava a revista Grande Hotel. Neyla deliciava-se com as histórias que lia. Que mundo maravilhoso era mostrado — romances com beijos calorosos, amores proibidos... Quanta emoção! Sabemos que o tempo voa... Há exatamente três dias, Neyla foi à casa de Claudinha, hoje com 76 anos. Era a comemoração do aniversário de um de seus netos. Lá chegando, entregou a ela um pacote. Ao abrir, a surpresa: uma edição da revista Grande Hotel que Neyla havia adquirido em uma feira de antigüidades há poucas semanas. Era da década de cinqüenta. A emoção de Claudinha foi tão grande que começou a chorar. As imagens de tantos anos atrás vinham a sua mente: tanta pobreza e dificuldades que através daquela revista ela conseguiu amenizar! Sonhava sonhos de amores correspondidos, de romances com final sempre feliz... e beijos, beijos que nunca tinham fim! O aniversariante não foi o grande personagem da noite. Como pensar que uma revista adquirida em uma feira de antigüidades pudesse virar a grande atração em uma festa repleta de jovens? Eles desligaram o som, pararam suas conversas e sentaram-se no chão para ouvir as histórias que Claudinha tão bem narrava... foi um sucessivo e interminável relembrar de fatos. Lágrimas, risos, saudades... Neyla saiu feliz por ter proporcionado um flash-back tão significativo... E riu, lembrando o quanto pagara pela revista: cinco reais! “Realmente dinheiro não é nada”, dizia a si mesma. Quase chegou a encomendar um artesanato que lhe custaria cento e vinte reais! Que efeito teria o artesanato sobre as emoções? Uma inutilidade! Um presente barato trouxera à tona as mais profundas e comovidas lembranças. “Isso não há dinheiro que pague”, pensou. Rumando para casa, ainda lembrava os antigos romances que lia na revista. Sentindo-se, no fundo, vazia de sonhos, perguntou-se por onde andariam os velhos exemplares da revista. Gostaria de adquiri-los. E sonhar, sonhar, sonhar!
belvedere
Enviado por belvedere em 23/09/2005
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