Uns minutos com Belvedere

Tenho sido feliz procurando crescer dentro do que me propus.

Textos

Os ponteiros da vida
Os ponteiros da vida

Belvedere Bruno

       Mariana acostumara a banhar-se nua no riacho, longe  de olhares alheios. Por não aceitar as regras impostas pela sociedade daquele lugarejo onde vivia, falava sem pudores:- Detesto essas coisas  de roça! Quando fizer 18 anos, vou pro Rio de Janeiro.
Nelsinho, fazendeiro  da região, parou  diante dela montado no seu cavalo. Olhando-a, sorriu. Ela, assustada, procurou  suas roupas.
- Safado! Tá sempre me caçando, como se eu fosse um bicho.
- Eu, hein? Tô no meu caminho! Deixa eu te ajudar ...
- Sai! Me visto sozinha. Veio atrás de mim, me seguiu...
- Segui tu, não. Tô  indo pras terras de Anísio Bruno ver se tem feira da barganha. Monta aqui. Larga  teu cavalo, que ele  toma o rumo.
        Os  dias passavam e a intimidade entre ambos crescia naquelas cavalgadas diárias que tomaram gosto de fazer. A sensualidade dela, ao despir-se no riacho ou  rolando  calorosamente  no gramado com ele,  fez com que, em quatro meses, Nelsinho, apaixonadíssimo, a pedisse em casamento. Ela aceitou. Na decisão, não levou em conta o amor, mas o interesse em sair da mesmice em que vivia.
        Mais ou menos  três meses após o casamento,   era uma outra mulher, totalmente diferente daquela por quem  Nelsinho se apaixonara.  Nunca  mais voltaram ao riacho, e ele já se lembrava, com saudade, de um tempo tão recente.
- Por que não fui para o Rio de Janeiro? Por que caí nesta esparrela?  -  dizia Mariana-
Sempre que  contrariada,  galopava a  toda e se atirava ao  rio com  o cavalo, no intuito  de  provocar escândalo. O fato causava grande rebuliço entre os habitantes da região; mas, a Nelsinho, não  incomodavam esses rompantes da esposa.
- Vida insossa!  Acordar, olhar empregados, ouvir falar de bois, cavalos...  À  noite, me deitar com Nelsinho... Que vida de merda! pensava  Mariana.
            O tempo corria. A família aumentava.
          Numa tarde, Nelsinho, deitado na rede, comia  frutas recém-colhidas e conversava com ela:  
- Tô pensando em comprar mais terras. Garantir o futuro dos meninos.
Ela concordou, balançando  a cabeça . O que lhe importavam essas coisas?
           Certo dia, como a manhã avançasse e Nelsinho  não acordava,  Mariana se aproxima do leito e pergunta: - Que sono é esse? Acorda, homem!- Nenhuma resposta. Balançou-o pelos braços, nervosa, e  deu um grito lancinante: - Não! Não faz isso comigo, Nelsinho!
O corpo estava  frio. Na fazenda,  foram tristes os dias que sucederam  àquela partida .
           Mariana, então, decidiu deixar ali o seu passado, indo  morar em outra cidade. Abandonara  o sonho de viver no Rio de Janeiro. O vazio de sua existência, nunca conseguira preencher. Numa casa aconchegante  cercada por jardins e pomar, passava os seus dias.  A varanda tornara-se seu espaço preferido.   Ali, pensava no quanto sua vida sempre fora  insustentável.
            Estava noiva e, através da janela viu Manuel, seu futuro marido, quando ele dobrou a esquina, caminhando em direção à casa. Olhando-o, sorriu. Uma súbita e forte pontada no peito derrubou-a ao  chão. Na mão direita, uma aliança de ouro. No relógio da vida, os ponteiros, agora parados para sempre, mostravam 64 anos.
belvedere
Enviado por belvedere em 10/10/2010
Alterado em 19/10/2010


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