Uns minutos com Belvedere

Tenho sido feliz procurando crescer dentro do que me propus.

Textos


Sobre danças e morte

Belvedere Bruno


Hoje, veio-me  à  mente a imagem de Candinha. Todas essas comemorações em torno do Dia das Mães  trouxeram à tona a simplicidade e sabedoria com  que  ela  vivenciou seus dias. Aliás, dias esses em torno dos oitenta anos, quando a conheci no frescor  de minha juventude .  Gostava de falar a respeito de tudo, inclusive morte, para ela assunto sem  mistérios. Causava-me admiração sempre que dizia : "Quando eu morrer, não me visitem no cemitério, pois lá jamais estarei. Sempre que quiserem estar comigo, coloquem um jarro com flores sobre a  mesa e dancem, cantem, assim como faço para meu filho há  dezoito anos!".  Era pura magia vê-la dançar, tamanha  sua  entrega e emoção .  Na ingenuidade de nossa adolescência, não entendíamos que naquele momento ocorria uma catarse. A dor da perda, a saudade eram daquela forma exteriorizadas.
 Decidi, então, homenageá-la. Pensaram, um tanto preocupados, que eu  pudesse estar com algum problema emocional.  Talvez ande um tanto nostálgica, confesso, mas  coloquei um ramo de flores do campo num jarro, bem no centro da mesa da sala e fiz mais ou menos como ela fazia:  cantei, mesmo sabendo-me uma desafinada por natureza.  Misturei  canções de Chico, Gonzaguinha, Jobim... Por  aqui, nenhuma lembrança acerca dessa pessoa, cuja personalidade era admirável por ser tão fora dos padrões estabelecidos naquela época. Após muito refletir, sinto que as lembranças nunca chegam por acaso. Através delas, me descubro, de certa forma, parecida com Candinha. Portanto, quando daqui me for, não me busquem em cemitério... 
 Por instantes, transporto-me a um passado longínquo, mas consigo sentir, ainda, o aroma das flores ao mesmo tempo que ouço Candinha:  "Que meu exemplo seja de alguma forma perpetuado.  Se  apenas um de vocês fizer o que venho mostrando há tempos, meus ensinamentos não terão sido em vão. Tenham certeza de que não vale viver trancafiado em dores, pois lá fora a vida sempre vibra. Incessantemente. Um dia vocês entenderão tudo isso."
 E pareceu-me ver o  seu sorriso envolvendo toda aquela minha confusa, mas  bem intencionada celebração.

belvedere
Enviado por belvedere em 18/05/2010


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