À esquerda das horas: o tempo Belvedere Bruno Com passos rápidos, agitados, Marcos caminha pelo calçadão da praia de Icaraí. Todos os dias, às dez horas da manhã, embora o sol quente já incomode, Marcos anda no calçadão pelo menos até o meio-dia. Não precisa de tanto exercício, mas faz quinze dias que cruzou ali com Luíza e quer encontrá-la novamente. Marcos caminha irritado, nervoso. A caminhada que antes fazia com prazer, é feita, agora, apenas pela ânsia de encontrar Luíza. E a consciência de que aquele tempo gasto no calçadão é apenas um pretexto, ainda o deixa mais irritado. Se fosse há duzentos anos, vá lá, não havia como, mas agora, porque é que não lhe tinha pedido o endereço ou número do celular? E o pior é que sabia quem ela era. Tinham sido colegas, colegas e namorados no colégio. Era um idiota. Um perfeito idiota. Tão idiota que... Tão idiota que até o grito do vendedor de mate o irrita. - Ó o mate geladinho! Moça bonita não paga, mas também não leva! Marcos pára e olha o vendedor, que sorri e olha para ele. - Vai mate, doutor? Marcos não responde. Se abrisse a boca, o palavrão seria escutadoaté no Rio, do outro lado da baía. O vendedor ri, ajeita a correia da caixa de isopor no ombro e continua o pregão. - Ó o mate geladinho! Moça bonita não paga, mas também não leva! Marcos fecha os olhos, respira fundo e aperta as mãos com força. Não. Vexame, não. Solta o ar devagar, pelo nariz e pela boca, e abre os olhos. Na sua frente, parada, sorrindo, está Luíza. - Oi. Marcos treme, a garganta apertada, doendo, e apenas consegue gaguejar. - Eu… Eu… Luíza ajeita a canga, colada no corpo molhado de suor. - Mas que coisa boa te encontrar. Pensei que tivesse sumido. Eu tenho vindo aqui… Marcos olha Luíza, espantado. - Tem vindo aqui? Mas quem tem vin… Luíza ri. - Aqui, como quem diz. Mais ali pelas Flechas. Todo dia dou lá a minha caminhada. Marcos pigarreia e esfrega as mãos na bermuda de jeans. - Mas foi aqui que a gente se… - Tem hora que eu venho até aqui, sim. Mas muito raro. Tô morando ali no Ingá e vou direto às Flechas. Faz uma pausa, ajeita outra vez a canga e olha Marcos. - Mas me diga. E você? - Eu? - Faz o quê? Marcos encolhe os ombros. - Vou levando. Luíza ri. - Só levando? Formou-se? Medicina? - Hum, hum. - Você sempre dizia que ia ser médico, lembra? Marcos olha-a, o coração descompassado. - Você lembra disso? Luíza acena com a cabeça. - Quem esquece os tempos do colégio? Os beijos, as paixões, as juras de amor eterno, as brigas? Você esqueceu? Eu não. Marcos olha Luíza durante alguns instantes e acena com a cabeça. - Também acho que seria um crime esquecer. A gargalhada de Luíza atropelou até as buzinas dos automóveis. - Não me diga que você… Marcos olha-a e abana a cabeça devagar. - O problema é que a gente nunca aprende. - Arrependido? - Quem não se arrepende? - Casou? - Não. E você? . – Estou divorciada. Calam-se durante algum tempo, Marcos olhando o rosto de Luíza e Luíza olhando os olhos de Marcos. O vendedor de mate passa por eles. - Ó o mate geladinho! Moça bonita não paga, mas também não leva! Marcos aponta-o. - Quer? - Você quer? - Quero, sim. Chama o vendedor. - Dois. Grandes. Bem gelados. Bebem devagar, calados. De repente, Luíza ri e olha Marcos. - Sabe o quê que eu tava lembrando agora? - Não. - Que você nunca foi às reuniões dos ex-alunos do Salesiano. - Realmente, eu… -Vai ter uma agora, na sexta. - Onde? - Lá no colégio. - Nessa eu vou. - Vai mesmo? - Combinado. - Não vai esquecer? - Mas de jeito maneira. - Olha que vou ficar esperando. - Posso passar na sua casa e… - Taí. Ótima idéia. Passa, sim, que vamos juntos. Luíza bebe o último gole do mate e olha Marcos. - Tem caneta? Então anota o endereço. belvedere
Enviado por belvedere em 04/04/2006
Alterado em 12/11/2009 |