Uns minutos com Belvedere

Tenho sido feliz procurando crescer dentro do que me propus.

Textos


Recortes de esperança


Belvedere Bruno



À medida que se aproximava o final daqueles dias  planejados para reavivar o  relacionamento, Marisa tinha a nítida percepção de  que nada mudaria. Tanto falaram em renovação , tanto planejaram, e agora, via claramente que tudo permaneceria como antes: insosso.   Buscava captar  um pouco da essência daquele lugarejo, escolhido meticulosamente  para que nada os remetesse  ao cotidiano de suas vidas. Não podia negar que mergulhar naquelas águas límpidas, pegar as conchinhas no  mar, sentir o  cheiro de maresia e dormir ao som  das ondas batendo nas pedras era  um afago na alma, um entorpecimento nas agruras de seu dia a dia. Mas como seria  o despertar, já que vivia ali dias que pareciam fragmentos de sonhos?
Com o pincel parado nas mãos,  já não conseguia dar o tom desejado à paisagem. Tudo o que havia delineado se misturava às  densas sensações que agora a dominavam.  Voltaria João ao seu carteado de fim de semana? Ficaria ela assistindo a infindáveis DVDs ?  Dormiriam de costas um para o outro, sem um beijo, sem  afagos, sem desejos? Nada ressurgiria das cinzas,  refletia. Seu semblante que, por alguns dias, havia se desanuviado, voltara a pesar. Olhando a tela, via o mar, a vegetação que volta e meia surgia enquanto percorriam  a orla deserta. Era tudo  por demais alentador, como se a irrealidade fosse parte integrante do cenário . Impetuosamente, misturou todas as tintas e arremessou o pincel nas águas, dobrando a tela que depois de foi guardada, simbolizando  a renovação.
Retornando ao cotidiano, tudo aconteceu tal  como Marisa previra. Nenhuma  efervescência no relacionamento, sequer um beijo que acendesse a chama há tanto adormecida,  um carinho, por mais sutil que fosse. Pegando a tela, guardada delicadamente,  sentiu que teria que matar de vez os desejos que esta passara a representar. Com uma tesoura, partiu-a em inúmeros pedaços.   Tinha, na verdade, uma vida em preto e branco e a   certeza de que se esvaziara  em termos de emoção. A partir da morte de suas esperanças, nada mais teria a delinear.
 
belvedere
Enviado por belvedere em 21/10/2009
Alterado em 24/04/2015


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Tela de Claude Monet
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